Esta tese interroga a relação entre cinema e direitos humanos, com base em uma abordagem fundamentalmente teórica e conceitual que tem como objetivo último a abertura de um programa mais amplo de pesquisa: a elaboração do que denomino atlas cosmopoético. Historicamente, os principais modos de relação entre cinema e direitos humanos consistem nos usos de imagens como documentos para denunciar violações e como parte do trabalho de memória em torno dessas violações. Nesse tipo de contexto, o cinema participa da construção de um arquivo do mal, contra o qual a “consciência da humanidade” declara os princípios de dignidade universal do projeto cosmopolítico dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, o cinema participa da construção de um arquivo do comum, no qual os princípios dos direitos humanos assumem forma sensível. Ao interrogar o problema do devir- sensível da “consciência da humanidade”, é preciso reconhecer que um dos motivos recorrentes da relação entre cinema e direitos humanos consiste no tema do inimaginável e no problema das imagens que faltam. Introduzido a partir da leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o exemplo histórico paradigmático das imagens dos campos nazistas e da experiência concentracionária assume um lugar central entre os diversos objetos estudados, numa análise do processo de arquivamento das imagens dos campos como evidências sensíveis do inimaginável e das formas de montagem das imagens dos campos como tentativas de pensar seus sentidos e de construir o arquivo de sua memória. Enquanto a ficção tende, com Samuel Fuller e Orson Welles, por exemplo, a revisitar o arquivo e a reorganizar seus elementos em função de narrativas e de interesses alheios aos contextos originários das imagens, o documentário encontra na denegação do arquivo o seu impulso, como evidencia a obra de Claude Lanzmann. Entre o rearquivamento ficcional e a denegação, emergem possibilidades experimentais de remontagem do arquivo, com base na abertura anarquívica que desestrutura e reorganiza suas imagens, em filmes de Alain Resnais, Mikhail Romm e Jean-Luc Godard. Assim como o projeto cosmopolítico dos direitos humanos depende do devir-sensível da “consciência da humanidade” para sua disseminação universal, conceitos jurídicos como “genocídio” e “crime contra a humanidade” encontram nas imagens cinematográficas uma de suas formas privilegiadas de inscrição sensível.