Resumo: Embora historicamente a filosofia seja uma referência constante no debate acerca dos direitos humanos, nota-se o pouco destaque que ela tem ocupado em relação à crise dos refugiados. Certamente, o pensamento filosófico tem recursos a oferecer e pode contribuir com essa importante e urgente situação de nosso tempo. O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) preocupava-se com o problema migratório do século XXI, em especial com o caso dos refugiados Boat People, algo que infelizmente se confirma cada vez mais. Nesse sentido, o conceito de biopolítica desenvolvido por Foucault apresenta uma interessante perspectiva ao analisar como as tecnologias de biopoder e a governamentalidade da gestão de riscos constituem aspectos fundamentais da atual crise dos refugiados. Método: A metodologia aplicada segue a base da pesquisa filosófica, com a exposição e articulação de conceitos que embasam o argumento desse artigo. A contextualização do argumento é feita com a descrição do caso Boat People da Indochina (1978) e do caso Boat People do Mediterrâneo (2018), observando as operações Mare Nostrum e Triton. O objetivo não é realizar uma comparação entre os casos Boat People, mas destacar que além dos 40 anos que separam cada evento, é possível identificar aspectos de uma governamentalidade biopolítica envolvendo a soberania nacional e a intervenção humanitária. Ao propor uma reflexão acerca do contexto apresentado, o argumento busca desenvolver o que pode ser chamado de ‘triângulo de Foucault’. Com isso, é importante considerar que o triângulo de Foucault tem menos pretensão de ser uma metodologia do trabalho científico, para ser mais um conjunto heurístico de instruções para pesquisas. Desse modo, a interdisciplinaridade desempenha uma função fundamental para a compreensão do argumento, contando com estudos do âmbito do direito, da antropologia, da história, das relações internacionais e do paradigma emergente Security Studies. Discussão: O objetivo desse artigo é propor uma reflexão filosófica acerca da atual crise dos refugiados. Para tanto, o pensamento de Foucault é escolhido por dois motivos: primeiro, pela atuação de Foucault em favor do Boat People de 1978; segundo, pelos instrumentos teóricos oferecidos pela perspectiva biopolítica desenvolvida pelo autor francês. A discussão considera as articulações entre práticas governamentais de resgate, de proteção e de securitização, tanto quanto discursos políticos de soberania nacional, de intervenção humanitária, de gestão de riscos. Portanto, busca-se refletir como o presságio anunciado por Foucault pode se tornar um modo de diagnosticar a atual crise dos refugiados. Resultados: Pode haver uma contribuição da filosofia em relação à atual crise dos refugiados, à medida que a reflexão filosófica pode prover esforços que privilegiam a interdisciplinaridade. A perspectiva biopolítica coloca a questão da vida, do ser humano enquanto espécie, no centro do debate sobre as práticas governamentais. Isso não significa negar o sistema de garantias ou negligenciar todas as responsabilidades atribuídas ao longo do tempo; contudo, é preciso refletir que talvez não seja por acaso que o crescente agravamento da crise dos refugiados seja signo e desafio para nosso tempo.