O artigo visa propor alguns pontos de referência para compreender a singularidade do Realismo como parte integrante da literatura moderna e desatrelado do suposto imperativo de representação do real – tão criticado por vanguardas e teorias do século XX. Para tanto, partimos de uma contraposição entre, de um lado, a leitura auerbachiana de Stendhal e, de outro, a lógica antiga do decoro e o que esta previa como os possíveis da representação literária – a observância de sedes argumentativas que, mesmo onde os gêneros se misturam, mantém intacta uma ordem do discurso que guarda forte analogia com uma partilha de lugares sociais. Contra esse fundo, o novo que emerge no discurso realista aparece como o que Rancière denomina “revolução estética”: uma implosão da lógica hierárquica da representação em nome de um regime em que o real adentra o relato literário sem o apoio de sedes previstas. A desierarquização posta em jogo pelo regime estético é uma glória do qualquer, segundo a qual não só o os homens mais infames (como propõe Foucault) podem sentir e falar como os reis da tragédia, como também o detalhe mais anódino pode guardar em si a significação da obra. A partir disso, propomos uma análise do conto A obra prima ignorada, de Balzac, enquanto figuração privilegiada tanto dos riscos e excessos possíveis das vanguardas por vir, como da vida infame que visa representar o relato realista.