Pretendemos, neste artigo, apresentar o romance Bichos de Conchas (2008), de Gláucia Lemos, como uma narrativa em prosa cuja linguagem dá margens para perceber nela a poesia. A partir do trabalho cuidadoso feito com as palavras, a autora traz à luz uma linguagem poética; ao mesmo tempo, acessível, simples, mas profunda e, sobretudo, lírica, realista e ficcional, porque o texto literário não pode perder sua aura mágica. Ora é Celeste, a narradora-personagem, quem toma as rédeas da narração, ora é o narrador-onipresente quem busca preencher as lacunas que o texto, quando narrado na primeira pessoa, não consegue, por si só, fazê-lo, de modo que percebemos, na leitura, que há harmonia e desarmonia nas trocas de narração quando se faz alternâncias de narradores entre os 20 capítulos. Ao nosso ver, é na trama da narrativa, conforme nos orienta Benjamin (2012), ou seja, no enredo bem construído, no domínio da palavra, da prosa poética (MOISÉS, 2012), que a autora busca descrever as agruras e os sabores da vida humana. Para tanto, dependerá do leitor, da sua formação, do seu prazer e fruição (BARHTES, 2002), mas também de como esta escrita se apresenta porque, no momento presente, “não é fácil a leitura de livros, não é fácil conseguir leitor de livros” (SANTIAGO, 2014, p. 118), porque “a obra somente é obra quando se converte na intimidade aberta de alguém que a escreveu e de alguém que a leu” (BLANCHOT, 2011). Em Bichos de Conchas, é possível sentir esse alumbramento de palavras, de palavras que querem dizer, que querem expressar-se em emoções como num conjunto inseparável da poetisa, da contista e, nesse momento, da romancista.