Miocardiopatia grave e interrupção gestacional: um relato de abortamento previsto em lei em razão de risco à vida materna
Introdução: Os mecanismos fisiopatológicos da miocardiopatia periparto ainda não são totalmente definidos, apesar de já haver forte associação com pré-eclâmpsia e com os produtos de degradação da prolactina, que induzem o quadro. O aborto, salvo situações como o risco de vida materna, é proibido no país, sendo tratado como grave problema de saúde pública e social. Objetivos: Relatar experiência de abortamento terapêutico em multípara com disfunção biventricular importante em razão de miocardiopatia periparto em gestação prévia. Materiais e Métodos: Relato de caso baseado em coleta de dados de prontuário de paciente acompanhada em maternidade da baixada fluminense, na Unidade de Terapia Intensiva materna. Resultados: G.E.N.S., 23 anos, multípara (G4PC3), 16 semanas de gestação, acometida por miocardiopatia periparto em gestação prévia, com grave disfunção biventricular residual e trombo ventricular em uso de terapia anticoagulante. Possuía classe funcional II de base pela New York Heart Association (NYHA II), aguardando transplante cardíaco. Chegou no serviço de emergência com piora de classe funcional de três dias de evolução e sintomas em repouso (NYHA IV). Ecocardiograma realizado na internação confirmou os achados dos exames prévios. Ao ecocardiograma, revelou-se disfunção contrátil importante de ventrículo direito (VD), imagem de trombo em região apical de VD e disfunção grave em ventrículo esquerdo por hipocinesia difusa. Em terapia plena para insuficiência cardíaca, equilibrada do ponto de visto hídrico e hemodinâmica. Foi realizada discussão multidisciplinar do caso. Por possuir cardiopatia com risco IV, pela Organização Mundial de Saúde, e risco extremamente alto de mortalidade e morbidade maternas, foi contraindicada a continuidade da gestação. Foi proposto a paciente e familiares a interrupção da gestação, seguida de implementação de método contraceptivo definitivo. Foi encaminhada ao serviço de pré-parto, iniciada indução com misoprostol 400 microgramas/dia, e na segunda dose terapêutica (16 de março), foi expelido feto morto com 116 g, com placenta fragmentada em seguida. Em 17 de março, ultrassonografia transvaginal revelou endométrio de 24 mm. A winter curetagem foi indicada no mesmo dia. A laqueadura tubária vídeo-laparoscópica foi realizada em 19 de março, com o período pós-operatório sem intercorrências. Recebeu alta, sendo encaminhada para acompanhamento cardiológico especializado. Conclusão: Relatamos um caso de aborto terapêutico por risco de vida materno, que é previsto em lei no Brasil, seguido de laqueadura tubária. Ressaltamos a importância do diagnóstico preciso da cardiopatia, da necessidade de investimento em planejamento familiar no sistema público de saúde, do aconselhamento a paciente cardiopata e seus familiares, do manejo adequado de intercorrências e da necessidade de prosseguir com as medidas necessárias à preservação da vida.