Trânsfugas e outros herdeiros das cinzas em Milton Hatoum
A figura do trânsfuga, conceituada aqui a partir de aportes de Pierre Bourdieu (2007) e Martine Leibovici (2014), tem uma presença marcante na obra literária de Milton Hatoum. Em seus três primeiros romances, que se sucedem e possuem elementos de continuidade de um a outro, observaremos alguns personagens, inclusive os narradores, como essa figura que transita entre dramas existenciais cruciais, tais como orfandade, bastardia, linhagem familiar, e diversas formas de estraneidade – seja enquanto estrangeiro em terra de acolhimento, um “estranho no ninho” da família onde nasce ou é acolhido, ou ainda noutras formas de interagir no mundo e com o Outro. Seres em trânsito ou fuga, alguns dos personagens de Hatoum nos permitem, então, evidenciar o estranhamento, a estranheza e inadequação no interior da própria casa, que às vezes é espelho de nosso país, e observar como eles encontram, cada qual à sua maneira, formas inesperadas de seguir caminho.