No desenrolar do processo histórico do que viria a ser o Brasil, a ideia de sertão ocupaum lugar central na imaginação social brasileira, seja enquanto elemento definidor de umapercepção dos espaços ou regiões seja como suporte de memórias e identidades. Sertão passaa ser uma categoria essencial a partir da qual se imagina o espaço, a cultura e a naçãobrasileira; o Brasil é algo que se pensa como constituído de litoral e sertão (Soares, 2009).A relevância do signo sertão para pensar o Brasil ganha acento entre o final do séculoXIX e as primeiras décadas republicanas, em especial quando o sertanejo assume, emsubstituição ao indígena, a primazia enquanto perfil histórico do nacional autêntico. Euclidesda Cunha já tratava de questões ligadas ao sertão e ao sertanejo, desde a escrita do artigointitulado A nossa Vendéia, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, no qual associava acontestação dos conselheristas aos camponeses contra-revolucionários franceses da regiãoVendéia, ao tempo em que buscava explicar o revés militar a partir de elementos ligados aomeio físico e natural da região onde se travava o combate. Em 17 de julho de 1897, e com omesmo título do artigo anterior, retoma retorna ao assunto, reforçando os argumentos sobre opapel jogado pela natureza na luta entre os seguidores de Antonio Conselheiro e os exércitosrepublicanos.Euclides escreve sobre Canudos e os sertões de longe, sem nunca ter estado na regiãodo conflito. De qualquer modo, em razão dos textos publicados o engenheiro militar foiconvidado pelo jornal a desempenhar o papel de correspondente de guerra. Chegou a Salvadorem 7 agosto de 1897, daí partindo para o sertão de Canudos em final do referido mês,viajando de trem até Queimadas, onde chegou em 1º de setembro, daí seguindo a cavalo atéMonte Santo (6 de setembro) e posteriormente para o arraial de Canudos (16 de setembro),onde permaneceu até o dia 3 de outubro. Neste intervalo de tempo, além de diversostelegramas, Euclides da Cunha enviou para O Estado de São Paulo uma série de textos comregistros e impressões da viagem (paisagem, conflito, etc), configurando-se como o Canudos:Diário de uma expedição (2003), sendo publicado em 1939, pela Livraria José OlympioEditora, sob a organização de Antônio Simões dos Reis.Tomamos como objeto desta pesquisa investigar as imagens de sertão e de sertanejopresentes no Diário de uma expedição de Euclides da Cunha (2003). Tensionando obra, autore a época procuramos perceber as permanências e deslocamentos da percepção euclidiana emrelação ao sertão baiano-canudense e sua gente, através do confronto entre as primeirasimagens, expostas nos artigos A nossa Vendéia e aquelas que vão sendo (re)elaboradas aolongo da viagem para a região conflagrada de Canudos. É possível perceber que o olharativado, fruto do contato real com a paisagem física e social do norte da Bahia, operadesenquadramentos na percepção de Euclides da Cunha, embora predomine a prefiguração domomento da partida.