scholarly journals Quando o estado de exceção se torna permanente

Tempo Social ◽  
2020 ◽  
Vol 32 (2) ◽  
pp. 205-227
Author(s):  
Luís Antônio Francisco de Souza ◽  
Carlos Henrique Aguiar Serra

Pretende-se refletir sobre as mudanças recentes no cenário político e institucional do Brasil. A sociedade brasileira, historicamente, construiu uma estrutura sólida de distribuição desigual de poder e de riquezas. Em grande parte, esta estrutura só foi possível em razão de altos padrões de exploração do trabalho e de elevados níveis de desigualdade, refletidos num judiciário e numa polícia violentos e racistas. Uma das características marcantes do estado brasileiro é a militarização de suas forças policiais e a policialização de suas forças armadas. Este processo vem se acirrando nas últimas décadas. O cenário atual de militares terem assumido, pelo voto direto, o poder máximo da nação parece ser o ápice do processo de militarização, e seus efeitos ainda carecem de análise cuidadosa. A proposta deste artigo, portanto, é, fazendo uso da noção de estado de exceção de Giorgio Agamben (2004), mostrar que a militarização corresponde à normalização do militarismo, com suas consequências em termos de limitações de direitos e legitimação da violência do estado, notadamente da polícia. A base empírica para a análise é o modelo de ocupação de territórios e intervenção ostensiva no Rio de Janeiro, instaurado pela intervenção federal militar do ano de 2018. A intervenção, neste sentido, não apenas serviu de laboratório para medidas repressivas e violentas de segurança, como também foi um teste de legitimação da gestão militarizada da segurança pública, com seu componente de construção permanente de um inimigo a ser abatido, dentro da lógica da guerra e do confronto armado. Seguindo, assim, Michel Foucault (1999), a política está se convertendo, no Brasil contemporâneo, na extensão da guerra por meios altamente militarizados.

Author(s):  
Elcio Cardozo Miguel

Desde o fim da década de 2000, o Governo do Estado do Rio de Janeiro inovou sua política de segurança pública, ao criar as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). O presente trabalho pretende dialogar tais políticas públicas com as formas de poder abordadas pelo filósofo francês Michel Foucault, analisando se há a existência de um Estado de Exceção Permanente, apresentado inicialmente pelo italiano Giorgio Agamben, em prol da segurança pública nas favelas cariocas. Para este fim, a pesquisa é de caráter bibliográfico e utiliza fontes primárias e secundárias, analisando o discurso oficial do Governo e a percepção dos moradores das favelas.


2021 ◽  
Vol 24 ◽  
Author(s):  
Carlo Henrique Aguiar Serra ◽  
Luís Antônio Francisco de Souza ◽  
Raphael Guazzelli Valério

O presente artigo explora as convergências e divergências conceituais e teóricas em alguns trabalhos de Michel Foucault e de Giorgio Agamben, dando ênfase às noções de estado de exceção e de biopolítica. Argumenta-se que o quadro analítico debatido pelos autores permite compreender porque, na presente sociedade brasileira, cada vez mais, a democracia vem se convertendo num grande mecanismo de gestão biopolítica que tem, em seu centro, a adoção de medidas e dispositivos típicos do estado de exceção, como a autorização da morte de suspeitos e de inimigos e de suspensão de direitos e garantias constitucionais. A base empírica para discussão teórica é a recente experiência de intervenção militar na segurança pública no Rio de Janeiro, com suas medidas de exceção, baseadas na ocupação do território, na militarização social, no controle de acesso e na impunidade diante das violações. A intervenção, neste sentido, é um laboratório do estado de exceção permanente que, paulatinamente, está se instalando na sociedade brasileira.


Author(s):  
Vanessa Lemm

Readers of Giorgio Agamben would agree that the German philosopher Friedrich Nietzsche (1844–1900) is not one of his primary interlocutors. As such, Agamben’s engagement with Nietzsche is different from the French reception of Nietzsche’s philosophy in Michel Foucault, Gilles Deleuze and Georges Bataille, as well as in his contemporary Italian colleague Roberto Esposito, for whom Nietzsche’s philosophy is a key point of reference in their thinking of politics beyond sovereignty. Agamben’s stance towards the thought of Nietzsche may seem ambiguous to some readers, in particular with regard to his shifting position on Nietzsche’s much-debated vision of the eternal recurrence of the same.


2016 ◽  
Vol 28 (1) ◽  
pp. 171-180 ◽  
Author(s):  
Marcele de Freitas Emerim ◽  
Mériti de Souza

Resumo O considerado inimputável é absolvido por não entender o caráter ilícito de seu ato, embora, por medida de segurança, seja internado compulsoriamente em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP): uma instituição pertencente ao sistema penitenciário. Cria-se assim a ambígua figura dolouco infrator - ora criminoso, ora doente mental - que raramente vimos contemplada em discussões e ações nas áreas da saúde e do direito. Ainda menos acolhido será aquele que atentar contra a vida de seus genitores: o chamado parricida. A partir dos aportes teóricos de Michel Foucault, Giorgio Agamben e Jacques Derrida, este trabalho discute discursos e práticas que se debruçam tanto sobre a questão da loucura, da infração e do parricídio quanto sobre a instituição do HCTP como modalidade de contenção e encaminhamento para os inimputáveis; assim como serão apresentadas discussões a partir das falas de pessoas classificadas como loucas, infratoras, parricidas - internadas em um HCTP.


2013 ◽  
Vol 17 (47) ◽  
pp. 873-884 ◽  
Author(s):  
Grasiele Nespoli

Este artigo apresenta os resultados de um estudo que investigou a formação discursiva da Tecnologia Educacional e sua relação com o contexto histórico, político e social da reforma sanitária brasileira, por meio de uma análise do acervo do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com base em noções teóricas da arqueologia de Michel Foucault, foram selecionados e analisados documentos que permitem identificar enunciados e avaliar as continuidades e descontinuidades discursivas que marcam a formação de domínios de saber acerca da Tecnologia Educacional. Conclui-se que foram constituídos três domínios de saber - instrução programada, integração ensino-serviço e educação em saúde - que colocam em disputa diferentes enunciados e possibilitam a passagem de uma visão tecnicista para uma visão crítica comprometida com a construção do Sistema Único de Saúde.


Author(s):  
Nicolai Von Eggers ◽  
Mathias Hein Jessen

Michel Foucault developed his now (in)famous neologism governmentality in the first of the two lectures he devoted to ’a history of governmentality, Security, Territory, Population (1977-78) and The Birth of Biopolitics (1978-79). Foucault developed this notion in order to do a historical investigation of ‘the state’ or ‘the political’ which did not assume the entity of the state but treated it as a way of governing, a way of thinking about governing. Recently, the Italian philosopher Giorgio Agamben has taken up Foucault’s notion of governmentality in his writing of a history of power in the West, most notably in The Kingdom and the Glory. It is with inspiration from Agamben’s recent use of Foucault that Foucault’s approach to writing the history of the state (as a history of governmental practices and the reflection hereof) is revisited. Foucault (and Agamben) thus offer another way of writing the history of the state and of the political, which focuses on different texts and on reading more familiar texts in a new light, thereby offering a new and notably different view on the emergence of the modern state and politics.


Profanações ◽  
2020 ◽  
Vol 7 ◽  
pp. 409-430
Author(s):  
Giovanna Faciola Brandão de Souza Lima ◽  
Ricardo Evandro Santos Martins ◽  
Paulo Henrique Araújo da Silva

Este artigo tratará sobre as declarações de Giorgio Agamben acerca da pandemia do novo coronavírus e sua ideia de guerra civil ou stasis. Tendo em vista a acusação de que, em sua leitura sobre o contexto pandêmico, o filósofo estaria apenas tentando ser coerente com sua própria filosofia, esta pesquisa se propõe a demonstrar de que forma um contexto emergencial, tal qual a pandemia atual, já era visualizado por Agamben como uma justificativa para que fossem implementadas medidas de exceção ou como manifestação de uma guerra civil mundial. Para tanto, foi realizada pesquisa essencialmente bibliográfica, tendo como principal referencial teórico os artigos do filósofo publicados no site Quodlibet, suas obras e demais textos anteriores à pandemia, sobretudo Stasis (2015), além de escritos de Michel Foucault, uma de suas principais referências. Palavras-chave: Pandemia. Agamben. Guerra civil. Exceção.


2003 ◽  
Vol 26 (1) ◽  
pp. 11-28 ◽  
Author(s):  
Marie Cuillerai ◽  
Marc Abélès

Résumé La mondialisation est souvent décrite comme un phénomène principalement économique, et l’intérêt d’une approche anthropologique est d’en saisir la dimension géo-culturelle. Notre but est de faire apparaître tout l’intérêt de cette perspective en nous référant aux travaux d’Arjun Appadurai. Ce dernier met en évidence la crise de l’État-nation traditionnel et l’impact de la circulation des individus et des informations. Dans ce contexte, l’imagination joue un rôle essentiel, il est possible de produire de nouvelles localités. On confronte ici l’analyse d’Appadurai à une autre perspective qui souligne aussi l’importance des déplacements de population, mais place l’accent sur la dimension bio-politique de cette situation. En nous référant aux travaux de Michel Foucault et de Giorgio Agamben, nous montrerons que la prise en compte de cette perspective bio-politique peut permettre de mieux comprendre certains aspects de la mondialisation qui échappent à l’approche géo-culturelle.


RedPensar ◽  
2018 ◽  
Vol 6 (1) ◽  
pp. 1-15
Author(s):  
Gianni Baietto

Este artículo pretende ser una aproximación al problema de la salud social y planetaria. El marco teórico se constituye en la temática de la biopolítica, entendida ésta afirmativamente, es decir como política, ya no sobre la vida sino desde y para la vida. En este marco se inscribe la metáfora del sistema inmune como paradigma de bienestar de los cuerpos biológicos y sociales. Se clasifica la inmunología como categoría hermenéutica para interpretar las relaciones de inclusión, reciprocidad, diversidad y armonía que determinan un estado de salud. También, desde la perspectiva biopolítica se habilita un cuestionamiento al significado de comunidad, pensada como el compartir de algo propio, o bien, algo diferente. Justamente en el reconocimiento de la diferencia radica la fundamentación de nuestra identidad y, desde luego, de nuestra comunidad. La bibliografía consultada permitió tener acercamiento a diferentes conceptos como: biopolítica, ser viviente, identidad y comunidad, entre otros, los cuales aportan sustento al artículo. Así mismo, se invitan a este diálogo teórico a los autores Eboussi Boulaga, Roberto Esposito, Michel Foucault y Giorgio Agamben. Por último, el escrito quiere profundizar sobre el problema de las migraciones, en cuya comprensión la metáfora inmunológica encuentra uno de sus objetos más significativos.


2017 ◽  
Vol 2 (1) ◽  
Author(s):  
Rosane Cristina de Oliveira ◽  
Eliane Cristina Tenório Cavalcanti

<p>O presente artigo tem o objetivo investigar algumas formas que o Estado contemporâneo utiliza para promove intervenções biopolíticas acerca da violência contra mulher. Para isso, adotou-se o referencial teórico de Michel Foucault e Giorgio Agamben. Inicialmente será  apresentado o entendimento foucaultiano a respeito da biopolítica, e a construção de Agamben estabelecida a partir da concepção de <em>homo sacer</em> e vida nua, no sentido de realiza-se uma aproximação das construções dos dois autores, evidenciando as principais concepções em que uma se mostra complementar à outra para então se pensar na questão da violência contra mulher, aqui percebida como vida nua. A seguir, busca-se a noção de refugo humano proposta por Bauman para compreender as condições sociais e de vida das mulheres em situação de violência, exclusão social e<strong> </strong>vulnerabilidade<strong>, </strong>pretendendo-se assim que elas possam ser lidas à luz dessas categorias. Finalmente, apresenta-se a lei do Feminicídio como ação biopolítica contemporânea.<strong></strong></p><p><strong>Palavras-chave</strong>: Biopolítica; vida nua; violência contra a mulher.</p>


Sign in / Sign up

Export Citation Format

Share Document