O artigo pretende destacar a contribuição que Ruth Guimarães (1920-2014) trouxe à comunidade literária com seu romance Água Funda, de 1946. A carreira da autora deu-se a partir do encontro com Mário de Andrade, aqui analisado, que inseriu sua escrita dentro de anseios significativos da estética modernista. O texto demonstra também como o romance banhou-se no pioneirismo que seu conterrâneo, Valdomiro Silveira, teria feito a partir do material folclórico e linguístico da região do Vale do Paraíba, conseguindo Ruth, por sua vez, superar problemas que o escritor pré-modernista teria enfrentado ao tentar dar vitalidade e naturalidade àquele dialeto caipira. Água Funda recria de modo ímpar o que a autora chamou de “aquela filosofia que só se encontra na linguagem do povo”, agregando contribuições da cultura oral ameríndia, nagô e europeia, também retratadas no seu estudo folclórico sobre o medo, de 1950. Dessa forma, traz a perspectiva feminina de quem cresceu dentro daquele sistema simbólico, invocando assim o conceito de ‘escrevivência’, de Conceição Evaristo, e o chamado ‘lugar de fala’, formado a partir da contribuição de Gayatri Spivak e Linda Alcoff, nos anos 1980, e, hoje, uma das maiores bandeiras da crítica cultural feminista.