scholarly journals Corpos invisíveis em Julio Cortázar: o não humano na esfera do matável

2021 ◽  
Vol 32 (63) ◽  
pp. 209-229
Author(s):  
Hiandro Bastos da Silva ◽  
Lauro Roberto Do Carmo Figueira

O presente estudo visa dar enfoque aos corpos invisíveis à ordem jurídica na escrita de Julio Cortázar a partir da leitura do conto Carta a uma senhorita em Paris (1951). Com base nas discussões de Giorgio Agamben acerca do homo sacer – figura do direito romano arcaico insacrificável e, ao mesmo tempo, matável –, procura-se analisar na narrativa de Cortázar o modo como o não humano, assim classificado pela “máquina antropológica” (AGAMBEN, 2007, p. 51), adentra na esfera da matabilidade. Dessa forma, o homem recai no mesmo grau de vulnerabilidade do animal, desmantelando as fronteiras éticas existentes entre ambos, atestadas por Jacques Derrida (2002). Por consequência, compreende-se, com Gabriel Giorgi (2016), que a vida reconhecida como humana se torna cada vez mais difícil de aferir na atualidade. Assim, além de se averiguar na narrativa do prosador Cortázar as políticas do contemporâneo atravessarem o corpo e a subjetividade do protagonista, subtraindo o seu valor, evidencia-se o animal demarcando o limiar desta realidade de exceção, onde a vida se faz matável.

Author(s):  
Vincent W. Lloyd

This chapter explores the way race and religion are articulated together in the work of leading critical theorists Jacques Derrida and Giorgio Agamben. It probes how these theorists stand on the border between philosophy of religion and theology, and it argues that it is only because of secularist assumptions that this divide between outsider’s philosophy of religion and insider’s theology can be maintained. For Derrida, both religion and race function as loose threads that can be pulled in order to unravel a system of thought. For Agamben, the protagonist of modernity, homo sacer, is both racialized and sanctified. Yet Derrida and Agamben’s accounts are skewed by a Eurocentrism and a failure to take religious ideas sufficiently seriously. The black feminist Sylvia Wynter offers an antidote, similarly linking race and religion but doing so in a way that attends to how racialization is produced theologically and goes hand in hand with patriarchy. Wynter’s work implies that philosophy of religion that refuses secularism is always black theology and that black theology must engage seriously with questions in philosophy of religion.


2019 ◽  
Vol 19 (1) ◽  
pp. 44-64
Author(s):  
Sandro Ornellas

O artigo apresenta o livro O fogo e o relato. Ensaios sobre criação, escrita, arte e livros (2018), do filósofo italiano Giorgio Agamben, discutindo alguns dos limiares poéticos do seu pensamento político. Parte-se de alguns dos debates subentendidos de Agamben com Jacques Derrida sobre linguagem e literatura, passa-se pelo ato poético como ato de resistência, define-se a potência inoperante presente em gestos de interrupção discursiva e chega-se à discussão sobre vida e obra em contexto biopolítico. Seguindo a ordem dos capítulos, mas sem pretender esgotá-los, o pressuposto do artigo é de que o italiano, que tem a poesia e a literatura geralmente vinculada a uma espécie de “primeira fase” de sua obra, também na série biopolítica nomeada Homo Sacer lançou mão da poesia e da literatura como forte estratégia de resistência e abertura de limiares ante a lógica que se desenha do poder soberano. Se, por um lado, o livro pode ser lido como formando um círculo hermenêutico, os capítulos, por outro lado, permitem ao leitor perceber as principais linhas em que filosofia, literatura, poesia e política se entrecruzam para o pensador italiano. Por isso, também, recorreu-se à relação direta de alguns argumentos expostos em O fogo e o relato tanto com noções e argumentos presentes em outros livros de Agamben, quanto pontualmente com outros interlocutores.


Author(s):  
David Kelman

How can a certain monolingualism help theorize comparative literature? What does Hispanism have to say about comparison? By comparing texts by Julio Cortázar (on the cuento or short story) and Jacques Derrida (on the limit), Kelman suggests that the mode of communication called “Hispanism” is structured like a cuento: every focus on a delimited text in Spanish would also present another text that never fully appears. Cortázar especially invites us to think about a ghostly “comparative literature” at the heart of Hispanism. This spectral comparison—or a comparative literature in secret—would then touch the sovereignty of the Hispanist, even and especially when the emphasis remains limited to the monolingual.


2021 ◽  
Vol 10 (2) ◽  
pp. 35
Author(s):  
Cacio José Ferreira ◽  
Norival Bottos jr

Esse artigo discute o estatuto das imagens que são produzidas pelos humores líquidos do corpo de Macabéia, em A Hora da Estrela (1998), desregulando e desterritorializandoem filigranas as imagens capazes de sobreviver ao tempo, com destaque para a figura da ninfa, ao mesmo tempo representação da santa cristã ou das deusas pagãs em diversas culturas. Walter Benjamin (2011) denominou essas imagens como aquilo que resta e que é capaz de causar um rasgo ou uma fratura no tempo real, tratar-se-ia, portanto, de sobrevivência no tempo histórico. Como aporte teórico serão utilizadas, sobretudo, as análises de Gilles Deleuze, Félix Guattari, Jacques Derrida, Giorgio Agamben, AbyWarburg e Georges Didi-huberman, especialmente no que diz respeito ao papel da musa como condição sintomática do discurso que Macabéia exerce sobre o mundo patriarcal e racional, além de se efetivar como um diálogo onde Clarice Lispector busca refletir sobre o papel da arte a partir de uma perspectiva filosófica peculiar. Julga-se importante entender de que maneira Macabéia se configura como uma ninfa, especialmente no que diz respeito à importância das imagens carregadas de temporalidades dispersas e dotadas de características únicas, geralmente icônicas que ela desregula com seu discurso descentralizador.


Author(s):  
Maurício Sérgio Borba Costa Filho
Keyword(s):  

O presente artigo propõe uma leitura crítica dos textos publicados pelo filósofo italiano Giorgio Agamben entre 26 de fevereiro e 11 de maio de 2020, a propósito da pandemia do Covid-19 e das medidas de contenção do contágio tomadas em seu país. A primeira seção do texto é dedicada à apresentação dos argumentos e termos chaves centrais da análise, que resumimos em três – vida nua, exceção e stásis –, e sua posterior contextualização dentro da obra agambeniana, com foco em três livros: Homo Sacer: il potere sovrano e la nuda vita; Stato di eccezione; e Stásis. A segunda seção é dedicada, em contrapartida, a um enquadramento multiespecífico como forma alternativa de se pensar, desde a biopolítica, a atual emergência sanitária. Deste modo pretendemos abordar a questão: o que se perde numa análise da pandemia que, como a de Agamben, deixa de levar em conta a própria vida do vírus?


2021 ◽  
pp. 20-34
Author(s):  
Gerardo Cruz-Grunerth

RESUMEN: La literatura de Julio Cortázar ha expresado en diversos momentos la cuestión animal, dando constancia de su habilidad para exponer la percepción del tiempo animal, su espacio, su campo visual, su umwelt, el medio del animal (vox Uexküll). En este artículo se analiza la obra “Axolotl” (1956), como pieza crucial de las preocupaciones de Cortázar en su búsqueda por confrontar la máquina antropológica, vista como la forma de negación de la animalidad humana y la subordinación de lo animal, según Giorgio Agamben. De ahí que la hipótesis de este artículo sostiene que “Axolotl”, más que expresar una confrontación humano-animal, incide en el devenir-animal (Deleuze y Guattari) como vía de acceso a una posibilidad ontológica. Con ello, el devenir animal conforma un dispositivo de oposición y desarticulación de la máquina antropológica, a través de líneas de fuga y desterritorializaciones; además, en el plano discursivo, esta ficción plantea la posibilidad para una zoo-autobiografía, una capacidad compartida para producir un discurso del yo, animal y humano, ambos como animales autobiográficos (Derrida).       ABSTRACT: Julio Cortázar's literature has expressed the animal question on many occasions, giving evidence of his ability to expose animals' perception of time, space, and visual field, the umwelt, the medium of the animal (vox Uexküll). This article analyzes the work “Axolotl” (1956), as a crucial piece of Cortázar's concerns in his search to confront the anthropological machine, seen it as the form of denial of human animality and the subordination of what is animal, according to Giorgio Agamben. Consequently, this article's hypothesis maintains that Axolotl, rather than expressing a human-animal confrontation, affects the becoming-animal as a way to access an ontological possibility. Thus, the becoming-animal (Deleuze and Guattari) forms a device of opposition and disarticulation of the anthropological machine through lines of flight and deterritorializations. Furthermore, on the discursive plane, this fiction raises the possibility for a zoo-autobiography, which implies a shared capacity to produce a self, animal and human, discourse, considering both as autobiographical animals (Derrida).


Profanações ◽  
2017 ◽  
Vol 4 (2) ◽  
pp. 166
Author(s):  
Pedro Lucas Dulci

O presente trabalho fala do deslocamento das atenções de Giorgio Agamben do homo sacer para um instituto jurídico romano tão fundamental quanto, o iustitium. Muitos materiais têm sido escritos sobre a obra do filósofo italiano encontrando no primeiro paradigma a chave de leitura privilegiada para sua obra. No entanto, pouca atenção é dada ao segundo paradigma. Procuraremos ampliar os estudos agambenianos reconstruindo sua argumentação sobre esse deslocamento em relação com a teologia política de Carl Schmitt e o messianismo de Jacques Derrida.


2018 ◽  
Vol 6 (12) ◽  
pp. 33
Author(s):  
Manoela Da Silva Rodrigues ◽  
Esteban Reyes Celedón

Em 1846, antes do surgimento da psicanálise, o jovem romancista russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), escreveu uma pequena novela, O Duplo (Двойник. Петербургская поэма, 1846), que abordava o conflito da personalidade de Goliadkin, funcionário público, que tenta se destacar dos demais, desempenhando com perfeições suas tarefas, mas é derrotado por ele mesmo, ou melhor, pelo seu duplo. Neste sentido, em 1964, o escritor argentino Julio Cortázar (1914-1984), no conto Después del Almuerzo, aborda a mesma temática, mas narrado por um jovem pré-adolescente. Numa primeira leitura, não sabemos ao certo de quem ou de que se trata; o que leva o leitor a imaginar que possa ser: um cachorro, um irmão com debilidades ou, até mesmo, um espírito. Neste conto se colocam noções de responsabilidade e culpa existentes da pré-adolescecia, que tenta contrapor essa fase, sua vontade de se livrar deste ser a quem tem que acompanhar em seu passeio por ruas de Buenos Aires. Esta fase narrada coloca o duelo entre o jovem e este ser que tem suas vontades próprias de livramento em forma de culpa, querendo ser natural e humano, hora criança e hora querendo se tornar adulto, deixa claro que o duplo existe a todo instante, dentro e fora de si. O corpo exterior deste pré-adolescente pode aparentar maturidade, porém o ser interior reluta com a consciência da infância; este ser não acompanha o exterior e vise versa. Neste trabalho analisaremos este duelo interior do protagonista, do ponto de vista da estética literária (herdeira da obra de Dostoiévski).


2020 ◽  
Vol 28 (4) ◽  
pp. 628-636
Author(s):  
Fernanda Gomes Faria ◽  
Rodrigo Siqueira-Batista

Resumo Neste artigo pretende-se analisar problemas bioéticos relativos às populações em situação de rua a partir dos conceitos de homo sacer, de Giorgio Agamben, e de hospitalidade incondicional, de Jacques Derrida. Como elementos-chave destacam-se a invisibilidade dessas populações e o reconhecimento de que profissionais e instituições de saúde devem operar em lógica de cultura hospitaleira, que considere o cuidado às pessoas em situação de rua como significativa ação ética.


2005 ◽  
Vol 66 ◽  
Author(s):  
Ana Josefina Ferrari

A obra de Cortázar foi e é estudada amplamente desde diferentes perspectivas. Teóricos importantes se detêm sobre ela porque, entre outras coisas, representa o ápice do movimento denominado REALISMO MÁGICO OU REALISMO FANTÁSTICO. Dito movimento ou modo de escrita caracteriza-se por um modo diferente de aprender ou de se relacionar com a realidade e como ela nos interpela. O presente artigo pretende realizar uma análise do conto “Casa tomada”, de Julio Cortázar observando a relação com a realidade. O ponto importante aqui é a estratégia discursiva utilizada na elaboração do conto e que será o inicio de um trabalho sobre a prosa que lhe ocupará durante toda sua carreira de escritor. Interessa-me ver como se produz o efeito do fantástico na materialidade desse conto de Cortázar.


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