Nesta carta, endereçada à Marília, minha psicanalista, e a todas as mulheres negras, reflito sobre a pesquisa que realizo no doutoramento. Faço isso, resgatando cenas de uma sessão específica, na qual, Marília fez, para mim, o que denomino sugestão-desafio, escrever sobre a importância do meu trabalho. Assim, confesso as minhas inseguranças diante da minha escrita e tento encontrar respostas para o fato de nem sempre estar convicta a respeito da sua relevância. Inspirada na carta que Audre Lorde (2019) fez para a sua terapeuta e na carta de Glória Anzalduá (2000) às mulheres escritoras do terceiro milênio, penso sobre a interação que há entre mim e Marília, e sobre o que me motiva a escrever. Ressalto sobre o investimento dos trabalhos artísticos de Tássia Reis, Preta Rara e NegaFya, na expressão de uma existência negra feminina distanciada da ideia de um eu desqualificado, e como esses trabalhos me ajudam a perceber um caminho para minha própria vida, pois, situam os corpos femininos negros e suas subjetividades no centro dos seus discursos. Nessa linha, aciono Guerreiro Ramos (1995) para tencionar a ideia de objetos de estudo, cuja realidade e identidade são definidas por outros, e Donna Haraway (1995) para refletir sobre os saberes localizados que requerem que o objeto do conhecimento seja visto como um ator e agente. Outra reflexão que faço é a respeito da minha relação com a música e a minha legitimação como pesquisadora no campo musical. Ainda aciono a noção de escrevivência, cunhada por Conceição Evaristo, para discutir sobre o desafio que é incluir o pessoal e o subjetivo como parte do discurso acadêmico, tendo em vista que a pessoalidade e subjetividade mais aceita na academia é aquela produzida pelo sujeito branco.